Rubrica Vento do Encadene – À conversa com Ricardo Madeira

Olá Ricardo, muitos parabéns pelo encadeamento do “Zeitgeist” – 7c!

1- É o teu primeiro 7c em Sintra. Conta-nos um pouco como foi o processo e o que te levou a escolher essa linha?
Olá! Obrigado! Bem, em relação ao bloco, era um bloco que até me era meio desconhecido, fui lá pela primeira vez em meados de Agosto de 2022, quando um amigo por lá fez umas sessões. Nessa altura, achei a linha muito boa, compacta, bastante técnica e com movimentos interessantes, mas depois de alguns pegues, deu para perceber rapidamente que, apesar de ser mais ou menos o meu estilo, por vários motivos ainda estava bastante fora do meu alcance. O bloco ficou-me na memória e à medida que fui progredindo neste último ano, pela atração que senti pela linha, achei que talvez valesse a pena voltar a tentar. Estava à procura de algo com mais grau, muito mais fora da minha zona de conforto, sobretudo para poder ser um projecto mais longo, que precisasse de mais sessões de trabalho, um processo pelo qual nunca tinha passado desta forma. Fui lá com essa intenção já em Março deste ano, mas eventualmente a minha disponibilidade mudou um pouco e só consegui meter 3 sessões antes do fim da season. Deu para trabalhar os passos e perceber o que estava em falta, mas as temperaturas subiram bastante rápido, e senti que, se alguma vez acabasse por encadear, ia precisar de condições. Ficou em standby. Entretanto, voltei agora em Outubro e percebi que houve alguma evolução, sobretudo fisicamente; fiz algum treino específico de força e power durante os meses que se passaram, muita Kilterboard, e acho que isso pode ter sido a, ou parte da chave. O passo para o aplate, meio em lock off, meio em deadpoint, que antes achava duríssimo e que era para mim o crux, com alguns ajustes de posição, rapidamente passou a ser possível e comecei a chegar aí com consistência. Depois disso, ainda voltei para afinar o beta e ganhar memória muscular, numa sessão de muita humidade. Nesse dia, já a dar pegues de baixo, caí algumas vezes por falta de grip já depois do crux e achei que me devia poupar e esperar por um dia bom, programar e ir lá com a convicção de que em qualquer pegue podia acontecer. Nesta última sessão, apesar de não ter sido o dia com a melhor temperatura, a humidade estava muito baixa, esses fatores conseguiram sobrepor-se um pouco a alguma ansiedade, e isso compensou.

2- O arranque sentado desse bloco é um bocado controverso e até deu aso a 3 FA desde a sua abertura em 2009. Reparei que fazes o arranque mais baixo de todos. Era para garantir o 7c ou foi o arranque que te pareceu ser mais lógico fazer?

Quando comecei a tentar o bloco nem tinha conhecimento disso, mas mais tarde, através de alguns comentários no 8a.nu., percebi que isso era um assunto meio polémico, mas que até chega a ter alguma piada. Do meu ponto de vista, acho que o que fiz é o arranque mais lógico, parece-me ser o sit start mais óbvio da linha. É possível começar até sem a mão esquerda já na pinça que usei para arrancar, e já vi um encadene assim, mas em termos de movimento e de posição no arranque não adiciona nem força grande coisa, acho que até começa a prejudicar um pouco a linha, aparece uma luta para se caber naquele sítio entre os dois blocos e consequentemente contra dabs que só vão frustrar. Quanto ao garantir o grau, ou se acrescenta ou não, não tenho nenhum termo de comparação legítimo, e como já referi acima, nem era bem atrás disso que eu andava.

3- Começaste a fazer bloco há relativamente pouco tempo (2018), mas tens conseguido uma progressão rápida e consistente. Vais muito à rocha, treinas muito ou tens talento natural para a coisa!? Qual é o teu segredo?

Sim, comecei em 2018 quando uns colegas de trabalho me apresentaram à modalidade em ginásio. Não fiquei imediatamente fanático, mas começou a despertar-me algum interesse, sobretudo quando descobri que era possível blocar em Sintra, um sítio que já frequentava regularmente. Começámos a aliar as caminhadas ao bloco e ao descobrir os blocos, e aí comecei a ficar mais intrigado e interessado. Passei muito pelo blog do Boulder Sintra, comprei o guia antigo em PDF, daí a arranjar crashpads foi um salto, e o resto é história. Em relação a treinos ou segredos, acho que a única coisa que realmente faço é ir aparecendo, escalar bastante, com foco, esforçar-me no que vejo que é possível, ser mais ou menos consistente no que me proponho a fazer e tentar dar sempre ouvidos ao corpo. Uma das coisas que contribuiu muito para a progressão acho que foi o conseguir ter sempre a oportunidade e o luxo de escalar com pessoas muito acima do meu nível, sou bastante observador e acho que quando são questões mais técnicas e menos físicas, absorvo com facilidade o que vou vendo. Durante a pandemia treinei bastante, mais por aborrecimento do que por outra coisa, e isso acabou por dar alguns frutos. Aí ficou óbvio que, se realmente queria progredir um pouco mais, o caminho a seguir tinha de ser também esse. Gosto de treinar, mas sinto que se pode tornar aborrecido depressa, e por isso, vou-me focando nas coisas que sinto que me podem estar a impedir de progredir, mas com paciência, estruturar sem ser muito rígido e tentar meter alguma diversão e boa companhia pelo meio, encarando também o treino como um processo. Acho que o segredo é esse, balançar as coisas, descansar e ir aprendendo a lidar com os dias menos bons.

4- Qual é o tipo de blocos que procuras. Tens projectos na calha para a season 23/24?

Como todos, acho que gosto de blocos mais estéticos, de procurar e conhecer os clássicos, mas normalmente não procuro blocos em específico para projectar; gosto de conhecer tudo, e de dizer que passo por uma fase de project shopping. Tenho um estilo que prefiro, mas que nem temos muito por cá, e por isso normalmente experimento tudo, e quando uma linha me agrada, talvez fique colado a ela, com algum nível de obsessão até, como foi no caso do Zeitgeist. Para esta season, com as temperaturas mais baixas, tenho muitas pendências espalhadas pela serra. Quando surgirem as oportunidades, sem pressas, gostava de as ir resolvendo. No entanto, se tiver de lançar um ou dois nomes de blocos que sejam mais ambiciosos para mim, talvez o Jibóia Sit e o Karma da Serra.

“Bafo do Dragão” – 7a+, Sintra

“Saltimbanqui” – 7a+, Albarracin

“Zé Colmeia” – 7b+

“Principio da Incerteza” – 7b, Sintra

“Corrente Ascendente” – 7a, Pedra do Urso

“Total Brutal” – 7a, Hoya Moros

“Carnage” – 7b+, Fontainebleau

Fotografias © Maria Inês Carrola

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