Rubrica Vento do Encadene – À conversa com Miguel Esteban Osório

Olá Miguel, parabéns pelo encadene do “The Room” – 8a!!

1) Sacaste-o relativamente rápido, bastaram 2 sessões em Setembro. É um bloco muito ao teu estilo? Conta-nos como foi essa luta e o que te motivou a prová-lo?

Sempre quis conhecer o The Room. A linha é clássica, world class. Bem negativa, com uma fenda perfeita na parte de baixo que dá lugar uma sequência dura de regletes e uma pinça horrível, e termina com um domínio 100% Sintrense – delicado e de compressão em agarras abaoladas. A base é muito boa! Para mim o posicionamento foi inteiro em oposição, que é um dos meus estilos favoritos. O trabalho de pés é simplesmente incrível.

Logo que comecei a dar uns pegas ficou claro que a movimentação era algo muito natural para mim – na primeira sessão consegui isolar tudo salvo alguns detalhes do domínio, e resolvi dar pegas do início acreditando ser possível mandar. No último pega meu calcanhar escapou uma passada antes da sequência para topout! Dois dias depois fizemos outra sessão e após alguns pegas consegui mandar. Foi alucinante, uma das linhas mais incríveis que já escalei. A vibe da galera estava top, nossas sessões são sempre clássicas.

Quero aproveitar esta oportunidade para agradecer ao Chris por ter me apresentado o bloco e passado os betas todos, a primeira sessão foi irada!

 

2) És natural do Rio de Janeiro. Fala-nos um pouco do te percurso de escalador e como é o bloco no Rio?

Comecei por volta do ano 2000 (se não me engano) a escalar exclusivamente em muros indoor. A seguir passei por uma fase de escalada esportiva, que pratiquei por alguns anos. Vias multi-pitch também fazia ocasionalmente, mas este estilo nunca conquistou-me completamente. Alguns amigos meus na época incentivavam-me a experimentar bouldering, baseando-se no que percebiam como meu estilo de movimentação e nos meus tipos preferidos de vias – eu sempre tive muita dificuldade com resistência, e mais facilidade com força e sequências mais concentradas. E então depois que experimentei os blocos nunca mais larguei aquilo! Ainda considero meus anos de escalada esportiva como os responsáveis pelas minhas bases em técnica de pés e posicionamento. A Barrinha era a minha falésia favorita no Rio e eu adorava a escalada de lá – altamente técnica por agarras variadas e posicionamentos contra-intuitivos -, mesmo tendo muita dificuldade em mandar as vias em si.

Os blocos foram-me apresentados por amigos muito especiais, e um grupo destes mais tarde veio se a tornar o Foca No Climb. A foca foi o mascote escolhido pela referência ao estilo de topout desajeitado como uma foca se locomove em terra. Porque fazemos questão mostrar que somos escaladores determinados, mas ao mesmo tempo não nos levamos muito a sério. Nossos vídeos sempre exploraram uma veia mais cómica e irreverente do esporte, porque somos mesmo assim. Com o Foca conheci vários picos incríveis de boulder no Brasil, em viagens clássicas e inesquecíveis. Foi nesta fase que senti-me acrescentar muito ao meu repertório de técnicas e movimentação.

Os boulders no Rio são primariamente de granito, e o estilo é muito similar a Sintra. Isto foi notável quando cheguei a Portugal e tive meus primeiros contatos com a Serra – simplesmente não senti muita “aclimatação”. Sempre senti-me muito em casa ao escalar em Sintra. Os boulders da Urca são famosos pelos seus domínios técnicos e “redondos”, a falta de presas, e pés inexistentes. Ring a bell?

3) Tens uma abordagem muito metódica aos blocos e normalmente fazes todos os passos em estático. Gostas de escalar sempre em controlo? Qual é o segredo para esse power? Achas que fazer treino específico é essencial e qual?

Toda escalada para mim é um processo, desde a descoberta e o encanto, passando por erros e acertos, lidando com frustração e cansaço, mas também empolgação e curiosidade, até o momento da conquista e superação. E sem esquecer de uma dose de ansiedade quando perto do fim! Este processo pode se desenrolar muito rapidamente ou levar dias, até meses, mas tem sempre mais ou menos a mesma forma. Aprendi a aceitar todos os momentos e emoções envolvidas. Como partes do processo, são todos passageiros, e é o conjunto inteiro que acaba por colocar-me finalmente a frente do desafio com corpo e mente alinhados e uma intimidade com a rocha adquirida ao longo do tempo. E o que acontece a seguir nunca está inteiramente sob meu controle, mas mesmo assim faz sentido. É algo com propósito e que existe apenas por um momento e que nunca mais será repetido. Para mim é sempre uma prova do que é estar em harmonia total com a realidade da qual faço parte.

A respeito de treinos eu sempre trabalhei com a idéia de que se não for divertido nem vale a pena. Diversão não tem a ver com facilidade! Encaro os treinos como desafios em si, de outra natureza. É preciso ter disciplina e seriedade, atenção redobrada ao corpo e resiliência frente ao cansaço e fadiga. Sempre gostei de misturar séries de fingerboard com escalada indoor – a primeira parte é bem metódica, com descansos cronometrados e séries/repetições contadas, enquanto que na segunda o único método é entrar nas linhas que apetecem, da maneira que apetece, tentando lembrar de descansar de vez em quando.

4) Qual a tua zona de Sintra favorita para escalar? É fácil encontrares blocos que te motivem na Serra?

Tapada, mas só para dizer alguma coisa diferente de “todas as zonas são incríveis” (e são). Todas as zonas de Sintra que conheço têm linhas clássicas, e todas têm personalidade e aspecto próprios. A variedade é notável. Ao mesmo tempo é nítido que há uma “forma geral” para o estilo de escalada Sintrense, que como já mencionei é muito similar a vários setores do Rio de Janeiro.

E os highballs. Todos. Os. Highballs.

“Covadis” – 7a, Baía do Mexilhoeiro

“Buenos Aires” – 8a, Praia do Cavalo

“Scarface” – 7c+, Sintra

“Cerra-Cabos” – 7a, Sintra

“Unhas de Lucifer” – 7c, Sintra

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